domingo, 23 de outubro de 2011

Resolução do Encontro Nacional de Negros e Negras do PSOL



CARTA DE SÃO PAULO
SETORIAL  DE NEGRAS E NEGROS DO PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE.

O racismo desempenha um papel estruturante na sociedade de classes. Logo, não é possível pensar no modo de produção capitalista, na classe trabalhadora e no Estado dissociados da questão racial. Quando um jovem negro é assassinado na periferia, uma mulher negra faz um aborto em péssimas condições ou uma família negra é despejada, está explicito nessas ações a lógica e funcionamento do Estado.

No entanto, a esquerda brasileira tem dificuldades de compreender o papel estruturante do racismo no processo de exploração e dominação do capitalismo. Assim, a luta antiracista não é tomada como prioritária por parte da maioria de setores da esquerda.É necessário que o PSOL seja um pólo irradiador de uma política que articule a luta antiracial,  anticapitalista e antiimperialista no Brasil, assim como, atue no fortalecimento do socialismo no âmbito do Movimento Negro.     

Internacionalmente, as cenas que vem do Egito, Grécia, Portugal, Espanha e, agora, da Inglaterra demonstram nitidamente que a crise da economia capitalista de 2008 não acabou, ao contrário, talvez os piores resultados para a classe trabalhadora ainda estejam por vir. Algumas regiões do mundo, no entanto, já sofrem há seculos as conseqüências desse sistema, sob o olhar complacente do mundo capitalista a fome dizima milhares na África.

No Brasil, com a chegada do PT ao poder e a adesão ao projeto do capital internacional, observa-se uma política econômica ortodoxo-neoliberal, a continuação de contrareformas, a adoção de políticas sociais focalizadas de combate à fome (tipicamente assistencialitas) destinadas em sua ampla maioria à população negra. Assim, o governo do PT governou com e para o bloco dominante, além de controlar politicamente os movimentos sociais e sindical, através da cooptação – material e ideológica – das suas direções, entre esses, também, setores do Movimento Negro.

Os dados sociais do Brasil são devastadores para a classe trabalhadora e ainda mais exacerbados quando refere-se a população negra. Enquanto a desocupação está em 6,8% entre as mulheres brancas, por exemplo, acima da média geral e da taxa registrada entre homens com essa mesma cor de pele (4,2%), ela salta para 9,5% entre as mulheres negras, segundo dados do IBGE. Os negros representam 75% dos jovens não alfabetizados. As condições no mercado de trabalho para os jovens negros são precárias, entre os desempregados, 23,8% são negros, 16,4% brancos.

Em suma, os dados do censo do IBGE de 2010 revelam que a maioria da população já se considera negra (preta ou parda). Logo, pensar a questão racial é central para a luta da classe trabalhadora. O fato de ser a maioria da classe trabalhadora demonstra ainda que é necessário trabalhar tal questão de maneira combinada com os debates sobre o caráter de exploração do sistema capitalista e de sua forma atual no governo Dilma.

Ainda no que se refere à população negra os dados de violência juvenil são alarmantes, pode-se afirmar um déficit de jovens, em sua ampla maioria negros, na estrutura demográfica brasileira. 

Cerca de 45 mil brasileiros são assassinados por ano. Contudo, essa violência se distribuiu de forma desigual: as vítimas são, sobretudo, os jovens pobres e negros, do sexo masculino, entre 15 e 24 anos. O Índice de Homicídio na Adolescência (IHA) evidencia que a probabilidade de ser vítima de homicídio é mais do dobro para os negros em comparação com os brancos. 

Enquanto o número de homicídios entre os jovens brancos caiu no período de 2002 a 2008, passando de 6.592 para 4.582 (30% de redução), entre os jovens negros a taxa subiu de 11.308 para 12.749, um aumento de 13%. Para cada branco assassinado em 2008, mais de 2 negros morreram na mesmas circunstâncias. A “brecha” de mortalidade entre brancos e negros cresceu 43%.

As mulheres negras são as que mais morrem nos partos e nos abortos mal sucedidos, realizados de maneira precária e às vezes de forma criminosa. O risco de morte de uma grávida negra cuja gestação terminou em aborto é 2,5 vezes maior do que o de grávidas brancas. Assim, as mulheres pobres - e particularmente aquelas que são negras - estão entre as principais prejudicadas pela ilegalidade do aborto no país.

Entretanto, para o setor financeiro e o grande empresariado o Governo Lula foi o melhor da história, ou como preferia dizer nosso ex-presidente “como nunca antes na história desse país” tais setores foram tão beneficiados.

O Movimento Negro é um conjunto de organizações, grupos, coletivos, entidades e articulações nacionais que lutam contra o racismo e se reivindicam herdeiros da trajetória de lutas do povo negro em África e na Diáspora. Portanto,  é um espaço de elaboração coletiva do povo negro e de seus aliados, aberto a diferentes matizes ideológicas e partidárias, constituindo-se em um exercício permanente de crítica e autocrítica em torno das estratégias que permeiam a construção e efetivação de um projeto político do povo negro brasileiro. Obviamente, é um movimento em disputa entre projetos contraditórios e conformam grupos e blocos que se alinham a um amplo espectro ideológico, de conservadores, liberais e socialistas revolucionários.

Assim, o movimento negro, como construção coletiva, deve ser independente, democrático e socialista. Balizado por um novo olhar sobre as desigualdades raciais e pelo processo de resistência histórica do negro na diáspora. Este novo olhar, por sua vez, está condensado na utopia de uma sociedade socialista em que a contribuição dos afro-brasileiros como sujeitos do processo revolucionário é um elemento estruturante de nossa ação política. Cabe ao PSOL atuar de forma unitária no Movimento Negro e contribuir para o acúmulo de forças na construção de novos rumos para o Brasil.

O povo negro devido as suas condições materiais de vida, assim como a consciência do racismo e de suas manifestações concretas, construiu organizações em torno da defesa de seus interesses (que variam de organizações religiosas e recreativas - candomblé, umbanda, tambor de mina, escolas de samba, afoxés, blocos, hip hop, funk etc - a movimentos de luta por direitos básicos como moradia, transporte, educação e saúde). Desta maneira, construiu instrumentos de resistência adequados as suas condições culturais e materiais ao definir suas estratégias de luta, de enfrentamento às condições extremamente duras de penúria e exclusão social, definiu relações de aliança e mobilizou seus próprios intelectuais orgânicos. Em outros termos, viveu a classe e a condição racial a partir de mores sociais constituídos no processo histórico de enfrentamento da exclusão, do racismo e da negação de direitos. O maior erro dos partidos da esquerda socialista é imaginar que esses espaços em que os afrodescendentes são maioria, constituem-se em territórios amorfos, sem história e em que predominam sujeitos passivos a dominação de classe e de raça.

Além disso, a consciência anti-racista abre uma frente de enfrentamentos à ordem dominante e, a partir de fundamentos culturais e sociais, põem freios à lógica predatória e desumanizadora do modo de produção capitalista. A associação de jovens negros em posses e grupos de hip hop; o funk como expressão cultural de juventude negra carioca; as escolas de samba, candomblés e umbanda; os movimentos de moradia, contra a carestia, por saúde e os cursinhos pré-vestibulares constituem parte do tecido de movimentos reativos aos ataques racistas das elites dominantes. Esta corrente de movimentos reativos é um elemento extremamente importante na formação de uma consciência anti-racista e socialista entre o povo negro.

O Movimento Negro é, portanto, um espaço permanente de aglutinação de forças contra o racismo e deve ser disputado a partir de uma perspectiva crítica, contestatória, anticapitalista e antiimperialista. Para isso, é fundamental organizarmos a intervenção das negras e negros para que possamos ter uma atuação minimamente unificada em torno de nosso horizonte estratégico, articulando às lutas de nosso povo. Desta maneira, o PSOL deve ter uma intervenção unificada nos diversos níveis de sua atuação política e privilegiar pautas e reivindicações que contribuam para a elevação do nível de consciência de nosso povo em relação aos efeitos do racismo e do capitalismo.

Reconhecemos no Partido Socialismo e Liberdade a possibilidade de articularmos a plataforma de reivindicações dos direitos e políticas públicas para o povo negro com um programa de mudanças radicais para a sociedade como um todo, de caráter antineoliberal, antiracista, antimachista, democrático, popular e socialista.

Para o PSOL se transformar em um instrumento que defenda a população negra ele deve ter a cara do povo brasileiro. Deve ser expressão política e simbólica da resistência negra, indígena, feminista e popular. Para isso, o Setorial de Negras e Negros deve ter fóruns funcionando com regularidade e com pautas políticas. Para tal é essencial que o Setorial seja um instrumento do conjunto do partido e não, apenas, dos militantes de algumas correntes internas.

ENCONTRO NACIONAL DE NEGRAS E NEGROS DO PSOL.
São Paulo, 03 de setembro de 2011.

Nenhum comentário: