quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Os limites da legalidade

Leonel Camasão*

Uma onda criminosa assolava o interior do Estado da Bahia há pouco mais de 300 anos. Os governantes estavam horrorizados com a desordem social causada pelo bando. Os crimes e as fugas cometidas pelo líder dos bandidos eram tão numerosos e lendários que seu autor ganhou a fama de “imortal”.

Obviamente, o “meliante” não era imortal. Ele foi decapitado, e sua cabeça, exposta em praça pública para dar o exemplo. Seu nome era Zumbi dos Palmares, líder negro que cometeu o crime de lutar pelo fim da escravidão.

Hoje, três séculos depois, qualquer um concluí que a escravidão foi um crime contra a humanidade. A resistência “ilegal” foi amplamente necessária para o fim de tal regime. Assim foi também na ditadura militar.

Nos últimos 25 anos, temos assistido prisões e até assassinatos dos membros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Diversos setores do judiciário, da sociedade e da imprensa os consideram criminosos perigosíssimos, apesar de lutarem por um motivo justo: a ampla e igualitária distribuição das terras do país.

Hoje, no Brasil, 1% dos proprietários são donos de 46% das terras privadas do País.. O Índice de Gini, usado para medir a concentração de terra, confirma os dados. Em uma escala de zero a um, onde zero é a distribuição igualitária da terra e um é a concentração total, atingimos a desonrada marca de 0,872, nos tornando o país com a maior concentração de terras do mundo.

Será possível, portanto, conseguir a reforma agrária dentro da “legalidade”? Foi possível abolir a escravatura sem que milhares de negros escravos desrespeitassem as leis da época? Vemos que a legalidade tem limites e não está aí para fazer justiça, mas para impedir as mudanças que o país precisa.

Fomos o último país do mundo a abolir a escravidão. E provavelmente seremos o último a fazer a reforma agrária. Temos a esperança que, no futuro, olhem para nossa época e também considerem o latifúndio – assim como a escravidão – um crime contra a humanidade.

Leonel Camasão é jornalista e membro da Executiva Estadual do PSOL-SC

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