Ivan Valente*
Dia 19 de agosto de 2009 foi um dia histórico na luta pela auditoria oficial da dívida pública brasileira, prevista na Constituição Federal de 1988 e reivindicada há muitos anos pelos movimentos sociais brasileiros. Foi finalmente instalada a Comissão Parlamentar de Inquérito da Dívida Pública, que terá por objetivo investigar a dívida pública da União, estados e municípios, o pagamento de juros da mesma, os beneficiários destes pagamentos e o seu monumental impacto nas políticas sociais e no desenvolvimento sustentável do país.
Vários veículos de grande circulação noticiaram a instalação da CPI, o que mostra que a ela já está cumprindo o papel de recolocar a questão da dívida na pauta nacional.
Diversas entidades de peso acompanharam a reunião, e foram convidadas a integrar os trabalhos pelo presidente eleito da comissão, o que é importantíssimo, e mostra a abertura do colegiado para os pleitos da sociedade.
O Congresso Nacional não pode continuar vivendo de pequenos escândalos, deve sim fazer um grande debate público no país, onde se reserva mais de 30% do orçamento federal para o pagamento de juros e amortizações da dívida, ao mesmo tempo em que se gasta menos de 5% com saúde e menos de 3% em educação. O Equador já abriu importante precedente, ao ter recentemente auditado o seu endividamento e, como resultado, anulado grande parte da dívida com os bancos privados internacionais.
A dívida interna federal brasileira já atingia R$ 1,6 trilhão no início do ano, enquanto a dívida externa chegava a US$ 267 bilhões, incluindo a parcela privada, que também causa ônus ao setor público, especialmente em meio à crise, quando o Banco Central teve de ofertar significativos valores das reservas cambiais brasileiras para as empresas pagarem seus débitos com o exterior. A soma das dívidas interna e externa representa mais de R$ 2,2 trilhões, algo perto de 80% do Produto Interno Bruto.
Muitos analistas costumam minimizar este montante, afirmando que o correto seria utilizar o conceito de “dívida líquida”, na qual a dívida bruta é descontada das reservas cambiais detidas pelo país. Porém, os juros recebidos pelas reservas cambiais são ínfimos, e até negativos, quando se considera que o dólar está se desvalorizando frente ao Real. Por outro lado, os juros pagos pelo Brasil nas dívidas interna e externa são altíssimos.
a atual conjuntura de juros próximos a zero nos países ricos (para fazer face à crise), se torna extremamente rentável aos investidores tomarem empréstimos no exterior para investirem em títulos da dívida interna brasileira, que pagam juros de 8,75% ao ano, mais a valorização do real. Isto porque, com este movimento de entrada de dólares no país, o preço do dólar cai, valorizando o real. Ao final do processo, estes investidores podem trocar os reais (obtidos com o rendimento dos títulos da dívida interna) por uma quantidade maior de dólares, a serem remetidos a seu país de origem.
E quem paga esta conta? O Banco Central (BC), que compra os dólares trazidos pelos investidores – ficando, portanto, com o mico, ou seja, os dólares, que estão se desvalorizando – pagando-os em títulos da dívida interna, que pagam juros altíssimos. E quem cobre esta conta? O Tesouro (ou seja, o povo brasileiro), que, de acordo com a denominada “Lei de Responsabilidade Fiscal”, deve cobrir, sem limite, os prejuízos do BC.
Ou seja: este é o sentido da Lei de “Responsabilidade Fiscal”: contenção de gastos sociais e liberdade total para os principais gastos do orçamento, que beneficiam o setor financeiro.
Portanto, a CPI deverá se debruçar sobre todos esses fatos. A próxima reunião da comissão foi marcada para esta amanhã (26), quando será definido o relator e discutido o roteiro dos trabalhos, que são imensos, dada a dimensão da dívida brasileira, externa, interna, de União, estados e municípios.
Nesse tema, a participação da sociedade civil no trabalho de auditoria da dívida será fundamental.
*Deputado federal pelo Psol de São Paulo, é autor do requerimento de criação da CPI da Dívida Pública