Por Leonel Camasão*, publicado originalmente no Blog do Camasão.
Quem vai pagar?
Esta é uma pergunta frequente quando se debate a proposta de Tarifa Zero no transporte coletivo. A dúvida paira em muitas cabeças: desde gente séria e bem intencionada até mesmo aos governistas de plantão, das mais coloridas bandeiras partidárias. Afinal, como podemos fazer com que as pessoas tenham a garantia plena do direito de ir e vir em nossas cidades?
Em Joinville, estima-se que o custo total do transporte seja de R$ 120 milhões anuais (isso sem saber quanto lucram os empresários). Vamos indicar abaixo possibilidades para financiar o sistema, seja em todo ou em parte.
1. Recursos Próprios
Sim, recursos próprios. A conversa de que a Prefeitura está quebrada e não há “dinheiro para nada” é furada.
Joinville faz parte do seleto grupo de 7,8% dos municípios brasileiros que estão “no azul”, ou seja, arrecadam mais impostos do que gastam. Sem falar que a arrecadação de impostos cresceu 12% em 2013 em nossa cidade.
Remanejamentos, extinção de secretarias, menos dinheiro para publicidade e até mesmo salários menores para o Prefeito e secretários poderiam ser um bom começo para chegarmos ao Tarifa Zero.
2. Estacionamento Rotativo
O serviço de estacionamento rotativo é uma verdadeira mina de dinheiro. São cerca de 1800 vagas. Imaginemos um sistema automatizado de estacionamento rotativo, com o custo/hora a dois reais. Vamos supor que o sistema opere com 40% das vagas ocupadas em média. Descontando os insumos, custo administrativo, e demais despesas operacionais, a receita diária/média é de R$ 146 mil reais. Em um ano, seria possível arrecadar R$ 45 milhões em estacionamento rotativo. O problema é que historicamente, o serviço sempre foi privatizado na cidade. Por que não deixá-lo a cargo do Ittran e utilizar o retorno financeiro para financiar o transporte?
3. Estacionamentos públicos
Seguindo o racicínio do Estacionamento Rotativo, a Prefeitura poderia criar áreas de estacionamento sob seu controle (ou até mesmo, os edifícios-garagem) e utilizar a receita para financiar o sistema de transporte.
4. Publicidade
Pontos de ônibus, terminais, TVs onde passam os horários, bussdor e outros espaços já arrecadam dinheiro de publicidade. Mas este lucro não é somado nas planilhas. Usemos o Bussdor como exemplo. Nossa frota de ônibus possui 329 veículos. Se cada anúncio em bussdor custar R$ 400, e este dinheiro fosse destinado a financiar o transporte coletivo, seriam, apenas em bussdor, 1 milhão e meio de reais por ano.
5. IPTU Progressivo
Previsto no Estatuto das cidades, o IPTU progressivo cobra mais impostos de grandes proprietários de imóveis. Além de combater a especulação imobiliária, aumenta a arrecadação do município.
6. Convênios com governo estadual e federal
Sim, os outros entes da federação devem entender que o transporte é um direito, e portanto, todos devem financiá-lo. Em Macapá, por exemplo, cidade governada pelo PSOL há um ano, Prefeitura e Governo do Estado realizaram convênio para garantir acesso livre ao transporte para 10 mil estudantes em situação de vulnerabilidade. O objetivo da Prefeitura é, progressivamente, criar programas e fontes de financiamento para custear 100% do transporte.
7. Mensalidade ou divisão social dos custos
Ninguém pergunta quem paga a saúde ou educação públicas. É óbvio: nós pagamos. Porque não fazer o mesmo no transporte? Uma conta simples: se dividíssemos os R$ 120 milhões que supostamente custam o sistema de transporte pelos 213.500 carnês de IPTU emitidos pela Prefeitura em 2014, chegaríamos a cifra de R$ 46,83 mensais para garantir o financiamento do transporte. Isso se a divisão fosse igual para todos, o que penso ser equivocado: quem tem mais, deve pagar mais. Os valores deveriam ser diferenciados por renda ou natureza (pessoas físicas pagariam menos que pessoas jurídicas com fins lucrativos). Até porque, com Tarifa Zero, as empresas ficariam desoneradas do pagamento de Vale Transporte; nada mais justo que possam redirecionar esses recursos para o Fundo Municipal de Transportes.
8. Multas de trânsito
Hoje, um percentual do valor arrecadado com multas de trânsito fica em Joinville. Pela nova política nacional de mobilidade urbana, é possível utilizar esses recursos para financiar o transporte coletivo.
9. IPVA
Destinar parte do retorno de IPVA que os municípios recebem para o transporte coletivo também é uma maneira inteligente de utilizar impostos que penalizam o transporte individual para a mobilidade urbana.
10. Auditoria da Dívida Pública
Por fim, existe uma hipótese mais remota, mas não menos importante. A dívida pública brasileira consome metade do dinheiro do país todos os anos. Este dinheiro vai principalmente para os bancos e para o mercado financeiro. Em 2013, por exemplo, o governo federal gastou R$ 2 bilhões POR DIA com os juros da dívida pública. Sim, juros. Não estamos pagando a dívida, só os juros! Ocorre que esta dívida é em grande parte ilegal, em contratos com juros abusivos (e às vezes, até sem contratos!). O Equador fez uma auditoria de sua dívida pública e abateu o montante em 70%. Nenhuma instituição financeira contestou.
Voltando ao Brasil, com um dia do que se gasta nos juros, seria possível financiar o transporte de Joinville (em valores atuais), por exemplo, por cerca de 16 anos.
Por isso, insistimos na proposta de Tarifa Zero. Ela não só é viável, com há recursos para financiá-la. Aliás, o governo federal teria capacidade para estatizar a operação dos transportes (como vários países já fazem, como Estados Unidos e Inglaterra), caso auditasse de fato a dívida pública. E aí, muita coisa se resolveria, não só o transporte coletivo.
Leonel Camasão é jornalista e presidente do PSOL Santa Catarina.
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