As eleições 2010 inauguram nova fase da disputa política no país lançando gigantescos desafios para a construção do PSOL e a luta pelo socialismo no Brasil. Enfrentaremos um governo apoiado por grande coalizão partidária, liderada pelo PT e o PMDB, com presença em importantes ministérios de forças políticas da direita tradicional, com maioria no senado, na câmara dos deputados e nos governos estaduais. Coalizão esta, que tem aplicado políticas econômicas e sociais que reproduzem os interesses do grande capital e a ordem conservadora. Também no processo eleitoral de 2010 ampliou-se a audiência de uma direita cada vez mais truculenta, que se alimenta de preconceitos e falsos moralismos, capitaneada pelo PSDB e o DEM com força em governos estaduais importantes que reúnem mais da metade do eleitorado nacional. Sendo assim, a direita enquanto força política programática e ideológica está a um só tempo no governo e na oposição, movimentando-se por conveniência. No essencial se unifica e constitui um campo político de não-mudança mostrando no atacado alto grau de concordâncias e divergindo no varejo.
As eleições foram disputadas num cenário de consolidação da hegemonia política burguesa em nosso país, para a qual o governo Lula, o PT e importantes organizações populares concorreram ativamente ao legitimarem políticas econômicas burguesas, discursos políticos e práticas conservadoras, e as ações coercitivas do estado de caráter antipopular. Por outro lado, as eleições também ocorreram num cenário de muitas dificuldades para os movimentos sociais e a esquerda, sem que o Conclat tivesse, naquele momento, alcançado a necessária unidade do movimento sindical e popular combativo; além da fragmentação da Frente de Esquerda (com as candidaturas de Zé Maria, PSTU e Ivan Pinheiro, PCB). Outro fator desfavorável foi a existência da candidatura de Marina Silva (PV) que, apesar do conteúdo fortemente conservador do seu programa, conseguiu ocupar um espaço simbolicamente progressista, que em 2006 havia sido ocupado pelo PSOL quando Heloísa Helena ficou em terceiro lugar na disputa presidencial.
Diante deste quadro de dificuldades, a campanha presidencial do partido, encabeçada pelos companheiros Plínio Sampaio e Hamilton Assis foi um contraponto de esquerda e socialista às candidaturas do bloco dominante representada por Dilma (PT), Serra (PSDB) e Marina (PV). Plínio granjeou quase um milhão de votos e a legenda do PSOL para deputados federais um pouco mais, em um cenário em que o debate político de esquerda e socialista teve pouco espaço pela polarização conservadora entre os partidos da ordem (PT, PSDB e PV). O PSOL apresentou-se com um programa de esquerda de perspectiva socialista e conseguiu fortalecer-se como pólo de resistência à onda conservadora da política neoliberal. Nos congratulamos, assim, com o companheiro Plínio de Arruda Sampaio pelo papel que cumpriu, para efetivamente melhor definir o perfil do PSOL diante dos trabalhadores e da sociedade brasileira, apesar das grandes dificuldades políticas e materiais. Destacamos também a participação do companheiro Hamilton Assis, que cumpriu muito positivamente esta tarefa, seja levando as posições do PSOL no debate político mais geral, seja na reafirmação do papel histórico e da atualidade da resistência, indígena, negra, feminista e popular.
Porém, este resultado positivo não significa que o PSOL esteja consolidado como alternativa partidária. Ainda enfrentamos muitos obstáculos, a exemplo da baixa capilaridade social do partido, assim como a fragilidade de suas instâncias, mas avançamos na afirmação de um perfil mais partidário e melhoramos nossa imagem social, para o que a candidatura de Plínio/Hamilton foi fundamental. Nisto e na ampliação de nossa bancada parlamentar, consiste nossa principal vitória neste processo eleitoral. O PSOL foi assim a alternativa eleitoral de esquerda para um setor de vanguarda, enquanto que os partidos que se negaram a conformar a Frente de Esquerda tiveram um resultado marginal, denunciando assim seus equívocos estratégicos no terreno eleitoral.
O PSOL conseguiu expandir sua expressão institucional com a eleição de dois senadores, três deputados federais e quatro deputados estaduais. Por outro lado, apesar de não eleitos, devemos destacar os resultados eleitorais, a cargos majoritários e proporcionais, seja daqueles que tiveram uma votação relativamente melhor, seja também o papel de todas e todos que, mesmo com votações mais baixas, foram candidatos majoritários ou proporcionais e contribuíram em situações bem difíceis para levar as propostas do partido e construir a oposição programática de esquerda. A vitalidade do partido em um momento conjuntural extremamente adverso à nossa tática eleitoral, mostra que há um espaço a ser ocupado no espectro político brasileiro por uma alternativa de esquerda e socialista. No entanto, consideramos uma perda ao projeto de esquerda e socialista a não eleição de Heloísa Helena (AL) e não reeleição de Luciana Genro (RS) e Raul Marcelo (SP), assim como a não eleição de outros companheiros com bom potencial eleitoral, a exemplo de Renato Roseno e João Alfredo (CE), Hilton Coelho (BA), Martiniano (GO) e Robaina (RS), dentre outros.
O cenário pós-eleitoral é de enorme complexidade e muitas dificuldades exigindo de nosso partido a maior unidade possível para que possamos continuar resistindo e avançando enquanto força política de esquerda em nível nacional. No que pese a atual correlação de forças, que pende favoravelmente ao governo e à oposição de direita, acreditamos que há um importante espaço para a construção de uma alternativa de esquerda neste próximo período. Existe sempre, como foi verificado até aqui na conjuntura, a possibilidade de o governo manter o arrefecimento da insatisfação e consequentemente das mobilizações populares, através de medidas compensatórias ou pequenas concessões econômicas, contudo, um dos fatores que poderá provocar desgaste ao novo governo é a perspectiva de desaceleração da economia em função da continuidade da crise econômica internacional, agora transvertida de guerra cambial. O que, por sua vez, exigirá novos apertos fiscais, já anunciados pela equipe de transição: aumento da taxa de juros e do superávit primário; cortes dos gastos sociais (saúde, educação, reforma agrária, etc.); restrição de direitos previdenciários e subordinação da previdência pública à lógica de mercado através de medidas como a desoneração da folha de pagamentos das empresas (acabando com o salário educação e reduzindo o desconto de INSS de 20% para 14%); arrocho salarial do funcionalismo federal; restrição ao crédito entre outras medidas.
A maioria que o governo obteve no senado e no congresso servirá de base para a aprovação destas medidas, ao mesmo tempo em que entrará em conflito com agendas progressivas vinculadas aos movimentos sociais e já defendidas pelo nosso partido. Já neste início de governo Dilma dois fatos importantes confirmam esta tendência: o pedido de demissão do então presidente do IBAMA frente às pressões para que fossem aceleradas as obras da hidroelétrica de Belo Monte; e as medidas anunciadas pela nova Ministra da Cultura, apontando para um retrocesso na discussão sobre os direitos autorais no Brasil, sob o forte questionamento do movimento de cultura livre. Nesta perspectiva a oposição de direita continuará enfrentando o mesmo dilema: ser oposição sem conseguir, ou poder, diferenciar-se no essencial da política do governo. De nossa parte, devemos reafirmar e dar ampla ação social e institucional à nossa política de oposição de esquerda e programática ao novo governo federal e aos governos estaduais.
Pela sua composição política, o governo Dilma, assim como o de Lula, não é e nem será um governo em “disputa”, dividido entre setores “desenvolvimentistas/progressistas” e “monetaristas/ortodoxos”. Apesar das contradições e divergências que possam existir, como é natural em qualquer governo, a orientação geral predominante, e que se reflete na indicação de Antônio Palocci para a chefia da Casa Civil, está baseada na defesa da mesma política liberal e conservadora que rege a economia desde a época de FHC, baseada no cambio flutuante; disciplina orçamentária para cumprir as metas de superávit primário (transferindo bilhões para o pagamento da famigerada dívida pública) e as metas de inflação (fonte dos maiores juros do planeta e que continuam engordando o bolso dos banqueiros). Fatores estes que inibem qualquer política econômica progressista destinada a atender as demandas populares e fortalecer a soberania do país.
Por outro lado, a dupla crise social vivida no Rio de Janeiro (catástrofe na serra e ação militar nas favelas) desnuda, mais uma vez, as condições socioambientais de barbárie vividas nos principais centros urbanos do país. Neste sentido, o que temos presenciado no Rio de Janeiro é uma demonstração cabal de incapacidade do capitalismo brasileiro em garantir condições dignas de vida a estas grandes massas urbanas, devido a sua dinâmica baseada na concentração de renda e na reprodução da desigualdade social e o uso dos espaços urbanos e rurais segundo os critérios da especulação imobiliária e da reprodução do capital. As quase mil mortes e os mais de 20 mil desabrigados não podem ser atribuídos somente aos efeitos da “catástrofe natural”, pois as mesmas também estão diretamente relacionadas à falta de iniciativa governamental para evitar estas tragédias, tendo em vista que o sucateamento da Defesa Civil e a falta de investimentos nos setores estratégicos para o combate às enchentes também é responsabilidade direta dos governantes. O relatório preliminar de inspeção realizado pelo CREA-RJ na região serrana do Rio aponta que 80% das mortes teriam sido evitadas caso a legislação ambiental do País fosse respeitada pelas prefeituras das cidades afetadas.
Por este motivo, além da solidariedade efetiva através da doação de donativos aos desabrigados, o PSOL defende abertura de investigação nas esferas dos poderes, para apurar responsabilidades dos governantes, vez que já era de domínio público a possibilidade de chuvas fortes no verão, bem como vários alertas oriundos de especialistas. Defendemos ainda um plano de obras públicas emergencial, com a criação de um fundo nacional para a reconstrução da Região Serrana, capaz de gerar milhares de empregos nas atividades de construção de moradias, estradas e postos de saúde nas áreas atingidas; a indenização de todas as famílias; e uma nova política de prevenção de desastres naturais, aproveitando a tecnologia desenvolvida nas universidades, a partir do incremento do orçamento público destinado para estas áreas.
A tragédia do Rio deu ainda maior centralidade para a questão ambiental no país, abrindo inclusive espaço para que seja derrotada a nefasta reforma do Código Florestal – com a possibilidade de atuarmos em unidade de ação com diversos setores políticos e sociais que vão tomando cada vez mais consciência do que significa esta reforma proposta pelo governo através do deputado Aldo Rabelo (PCdoB). Precisamos abrir um amplo debate na sociedade brasileira sobre a urgência de uma política ambiental para o Brasil, que além da preservação da Amazônia através de uma política de desmatamento zero, seja capaz de apresentar uma solução para as grandes cidades, onde se reproduzem as regiões de risco fruto de uma ocupação urbana desordenada e a falta de uma reforma urbana e agrária que enfrente este problema pela raiz.
Neste quadro de dor e sofrimento provocado pelas tragédias sócio-ambientais, a atitude dos parlamentares (deputados federais e senadores) de votaram um grande aumento de seus próprios salários, enquanto o governo oferece migalhas aos desabrigados e uma proposta de reajuste irrisório para o salário mínimo, provocou revolta e perplexidade na grande maioria da população. O aumento de 62% para os deputados, 134% para Dilma e de 149% para os ministros é um escândalo. O PSOL foi o único partido a votar contra este abuso de poder dos parlamentares e o único a exigir o cumprimento das promessas de campanha do governo Lula em relação a valorização do salário mínimo. Lula prometeu dobrar o salário mínimo em seus oito anos de seu governo, o que hoje representaria um salário mínimo de R$700,00. Este, portanto, será o valor que o PSOL defenderá para o reajuste deste ano. Desde já o PSOL reforça a convocatória dos movimentos sociais e sindicais para a realização de uma manifestação nacional em Brasília, no dia 16 de fevereiro, para pressionarmos por um maior reajuste do salário mínimo.
O PSOL enfrentará esta nova conjuntura com um acúmulo importante de experiência na luta social e parlamentar, tendo consolidado bandeiras que hoje são as marcas de nosso partido junto a importantes setores da população, a exemplo da luta contra a corrupção, a luta pela aprovação da Lei da Ficha Limpa (em que pese as contradições dessa lei, pois a mesma vem sendo utilizada também na criminalização dos movimentos e lutadores sociais, como ocorreu nas últimas eleições com a condenação a priori e injusta dos candidatos a vice-governador em São Paulo e o pré-candidato a governador de Minas); a luta pela reforma agrária; a CPI da dívida pública e a luta por sua auditoria, articulada com a defesa de recursos para as políticas públicas sociais; a defesa do código florestal contra a reforma orquestrada pelos latifundiários; a luta contra a Reforma da Previdência e outras reformas trabalhistas que vem sendo articuladas pelo novo governo e a defesa dos aposentados pelo fim do fator previdenciário; a luta contra grandes projetos que representam um crime socioambiental, como Belo Monte e a Transposição do São Francisco; a luta pela jornada de 40 horas semanais de trabalho, sem redução do salário, que foi importante eixo de nossa campanha presidencial; a luta pela reforma política, especialmente quanto ao financiamento público de campanha e a ampliação da democracia participativa, com a realização de plebiscitos e referendos sobre temas de interesse nacional; a luta por uma reforma tributária progressiva e a taxação das grandes fortunas; entre outras lutas que nos referenciaram enquanto um partido sério e dos mais atuantes. Fato reconhecido pela imprensa e jornalistas, que no prêmio Congresso em Foco elegeram os três deputados federais do PSOL entre os cinco melhores do Congresso Nacional.
A esta pauta devemos incorporar com força a luta em defesa dos direitos humanos, incluindo a defesa permanente do mandato de Marcelo Freixo (PSOL-RJ), ameaçado de morte pelas milícias e hoje uma das principais lideranças dos direitos humanos no país, tendo ganho grande projeção após o filme Tropa de Elite II em que sua luta é retratada por um dos principais personagens do filme, o deputado Fraga. O apoio à luta de importantes segmentos que clamam pela democratização dos meios de comunicação no Brasil também será uma importante tarefa do PSOL, que entrou junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO n. 10) ajuizada pelo jurista Fábio Konder Comparato, que requer à Corte que determine ao Congresso Nacional a regulamentação de matérias existentes em três artigos da Constituição Federal (220, 221 e 223), relativos à comunicação social. Entre as providências, está a criação de uma legislação específica sobre o direito de resposta, a proibição de monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação social e a produção e programação exibida pelos veículos.
Este acúmulo e este perfil que consolidamos até aqui, e que constituiu hoje a base fundamental para futuros avanços do PSOL, deve ser acrescido de uma dinâmica partidária que seja capaz de unificar e fortalecer a atuação do partido diante das questões fundamentais da luta de classe e da luta social e cultural em geral, no próximo período. Para isso, precisamos promover um rico debate no interior do partido visando politizar cada vez mais nossa intervenção na luta social e institucional, tornando o III Congresso do PSOL, que será realizado em setembro de 2011, um momento de acúmulo programático e fortalecimento orgânico de nossa militância partidária. Junto ao processo de organização do III Congresso, devemos promover campanha política de massas baseada em alguns eixos prioritários. Esta deverá ser articulada com uma campanha nacional de filiação no partido, buscando acolher os novos militantes que simpatizaram conosco no processo eleitoral, assim como melhorar nosso padrão organizativo. Esta campanha será coordenada pela executiva nacional, com materiais unificados para todo o país, incluindo um plano de formação que inclua materiais e eventos partidários unificados.
Executiva Nacional do PSOL
Brasília/DF, 27 de janeiro de 2011