segunda-feira, 22 de março de 2010

Francisco de Oliveira: “Lula salga a terra por onde passa”



Francisco de Oliveira, sociólogo, foi fundador do PT e, atualmente, é do Partido Socialismo e Liberdade (Psol)

1º/03/2010


Renato Godoy de Toledo

da Redação


Brasil de Fato - Como fundador do partido, o senhor acreditava que o PT seria o mais importante do país depois de 30 anos? Achava que seria dessa forma?

Francisco de Oliveira - Eu não acreditava que o PT seria o mais importante do Brasil. Até por ser um partido de base classista e pela sociedade brasileira não ser composta só de operários. Sociologicamente, nada indicava que ele tornaria-se o maior partido. E tornou-se: por qualquer critério, ele é o maior.


Mas eu não pensava que ele tornaria-se o que tornou. Tínhamos uma análise muito otimista. Exatamente por ele ter a base classista mais sólida da história brasileira, tínhamos uma outra ideia. Havia uma fiança dada pela sua origem de operários, da Igreja da libertação e do movimento de democratização. Achávamos que o partido se desenvolveria a partir de seu compromisso programático, não fazendo parte da “geleia geral” do sistema partidário brasileiro.



O PT deixou de ser um partido identificado eleitoralmente com a classe média e passou a ter grande representatividade nos mais pobres. Isso ocorreu da maneira que o petismo esperava?

Não, não ocorreu da forma que os socialistas esperavam. A perspectiva socialista não é a de “pobres”, mas de classe. Pensava-se que o PT devia ampliar em direção à classe social que compõe a base da sociedade. Mas não de uma maneira messiânica, carismática, que foi o que aconteceu. Portanto, o PT incorpora essas massas pobres como massas desorganizadas. Não é bom para o partido nem para a sociedade. Há um viés autoritário que denigre as classes pobres ao invés de elevá-las a condição de atores centrais da sociedade.



A candidatura de Dilma é consequência disso que o senhor chamou de “messianismo”?

Exatamente. A candidatura se deve ao fato de o PT não ter conseguido criar dentro do partido lideranças de classe. Sem desmerecer a Dilma, pois o fato de ela ter vindo de outro partido não a desmerece em nada. Mas isso mostra que o PT tornou-se propriedade do Lula e não foi capaz de formar uma carreira política para os seus militantes. Estão comemorando 30 anos achando que está tudo bem. Não está. Está mal. O partido não consegue ter um candidato ao governo de São Paulo, estado mais importante da federação, onde o PT nasceu. Tenta importar o Ciro Gomes, um estranho no ninho, que não tem nada a ver com as tradições de luta do PT. Isso mostra o fiasco do partido. Hoje o PT é um partido para-estatal que realiza na sociedade tarefas que são do Estado.



O senhor acredita que um eventual governo Dilma pode ficar à esquerda do atual?

Isso é retórica vazia. Dizer que estatização é programa de esquerda é não ter entendido nada do capitalismo contemporâneo. Este é sustentado por fundos públicos. A estatização é um programa da primeira década do século 20. Todos os países desenvolvidos já cumpriram esse programa. Nacionalizaram a terra, criaram bancos estatais, industrializaram setores industriais inteiros. Poderíamos chamar isso de a “doença infantil do estatismo”. Isso é um programa para fortalecer as empresas brasileiras e o Estado brasileiro como fiador do capitalismo, não tem nada a ver com esquerda ou socialismo.



O senhor concorda com o ex-ministro Tarso Genro, que afirmou que a escolha de Dilma é reflexo do vazio partidário após o mensalão?

A tese faz sentido, mas não foi resultado apenas da crise do mensalão. O Lula é uma liderança que salga a terra por onde ele passa, não deixa liderança nenhuma. Os trabalhadores não têm mais liderança e não têm presença forte na política. A CUT [Central Única dos Trabalhadores] é uma organização do “amém, sim senhor”. O mensalão acabou com lideranças expressivas no PT e aconteceu isso: teve que recorrer à Dilma.


Fonte: Brasil de Fato.

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